Atendimento Psicológico COVID-19
Atendimento Psicológico COVID-19
No ano de 2020, os habitantes do planeta Terra foram surpreendidos pela aparição de um vírus desconhecido e letal.
O início ocorreu na China, mas rapidamente se espalhou para todos os lugares desrespeitando fronteiras geográficas, sociais, econômicas, de idade, religiosas e culturais.
E o que se viu foram alterações profundas no modus operandi da organização planetária, em que o lockdown, o distanciamento social e as medidas higiênicas de proteção se transformaram no cotidiano de humanos assustados diante do invisível que adoece e mata.
E enquanto todas as atenções se voltavam para a pandemia, cientistas e profissionais da saúde se colocaram na Linha de Frente do enfrentamento porque é o destino que lhes cabe em situações como essa.
E a atitude deles permitiu um cuidado devoto aos pacientes e a execução de importantes pesquisas que resultaram, num prazo de nove meses, na criação de vacinas (feito histórico).
E mesmo com a dor e as numerosas mortes, a vida prosseguiu, e outro grupo de profissionais entrou em ação: os profissionais da saúde mental.
É que o medo foi ganhando influência na alma das pessoas e elas foram adoecendo emocionalmente, psicologicamente, subjetivamente.
O que primeiro se viu foram ansiedades, crises de pânico, falta de ar, coração acelerado, suores frios, náuseas, angústias fisiologicamente representadas no corpo.
O que acontece na alma acontece no corpo, dizia Espinosa.
E foi justo isso: o medo gigante e descontrolado estabeleceu perturbações, sintomas e sofrimentos.
“O medo mata tanto quanto a peste”, conta uma história popular.
Em seguida vieram as tristezas, o choro, o desânimo, a desesperança: as portas abertas para a condição depressiva.
E psicólogos, psicoterapeutas, psiquiatras, psicanalistas e terapeutas decidiram acolher, amparar e prestar apoio emocional à população, de forma gratuita, dada a circunstância.
E o atendimento psicológico à distância, tão pouco utilizado até aquele momento, se transformou no recurso eficiente e popular para acessar as pessoas em qualquer parte do mundo.
E o que se viu foi a avalanche de atendimentos se transformar num tsunami, em que amparamos, orientamos e tratamos. Esse também é o destino que nos cabe nessas situações.
E a duração do confinamento com todos os seus desdobramentos só foi piorando as coisas: violência contra mulheres, crianças e animais, separações conjugais, suicídios, fome, miséria, a perda do sentido para continuar vivendo.
Os que adoeciam também nos acionavam, os que melhoravam, vencendo a doença também nos acionavam, os que apresentavam sequelas do adoecimento também nos acionavam.
E junto com os cientistas fomos tateando para aprender sobre o vírus e os seus impactos: enquanto atendíamos, aprendíamos buscando novos modos de intervenção, novas práticas, em novidades.
– A intervenção on-line
Assim que os casos foram surgindo no Brasil, no início de março, eu contava com uma equipe de vinte psicólogos que, imediatamente, iniciou os atendimentos on-line para toda a população.
E foi uma experiência incrivelmente surreal porque eu conseguia acompanhar a reação da população à pandemia identificando fases, contextualizando sintomas e vivências, inclusive, mapeando as motivações presentes nas atitudes das pessoas.
E a circunstância do acompanhamento possibilitou a criação de um Protocolo de Atendimento voltado especificamente para a situação: enquanto eu supervisionava os atendimentos, estabelecia temas que pudessem orientar o paciente diante do medo, da ansiedade, da tristeza, da raiva, do desamparo, do desespero, do desânimo.
E, na medida em que os meses seguiam, novos temas foram introduzidos permitindo que eu listasse uma quantidade de temas apropriados ao atendimento psicológico da população em tempos de COVID-19.
– Orientação
O Protocolo serve como orientação para os profissionais, uma espécie de mapa que evidencia as características comuns do contexto e as afetações possíveis no funcionamento mental dos confinados.
E, como sempre, a demanda apresentada e o funcionamento mental do paciente é que determinarão a abordagem dos aspectos. Não existe a obrigatoriedade, nem um padrão a seguir na abordagem: a sensibilidade e a competência do profissional serão soberanas na decisão da utilização do Protocolo.
O primeiro tópico se refere à respiração diafragmática como recurso poderoso para enfrentar a ansiedade. Nesse aspecto, o paciente é instruído a compreender esse tipo de respiração e a utilizá-la: ele será didaticamente orientado na incorporação e manutenção da respiração saudável.
O segundo tópico se refere ao foco mental como recurso poderoso de enfrentamento das crises de ansiedade e do medo que as envolve. O foco mental será construído entre o profissional e o paciente e corresponde a uma sequência (numérica, objetos, nomes) que deverá ser lembrada (no exato sequenciamento) e repetida, em voz alta, nos momentos de crise.
O terceiro aspecto diz respeito à rotina criada e mantida durante a pandemia. Ela é fundamental para que o paciente consiga organizar o seu cotidiano distribuindo as atividades e as classificando: necessárias, prazerosas, obrigatórias, indispensáveis.
A rotina organiza o tempo, possibilita a sensação da realização das tarefas, produz o senso de continuidade nas atitudes, define o relacionamento com os demais confinados do mesmo local (se houver).
A questão dos deveres e prazeres associados às noções de moral e ética é o que se trata no tema rotina, portanto.
O quarto aspecto se refere ao tempo-hoje e o denominei de nada além do agora: uma das imposições mais contundentes da pandemia. Assim: o passado e o futuro não importam deixando de se constituírem como referência no planejamento cotidiano.
“Um dia de cada vez” ou “só por hoje” é o lema soberano e os pacientes são conduzidos a considerar a estratégia do tempo-agora, como a mais adequada, produzindo adaptações e eliminando expectativas.
O quinto aspecto se refere às mídias sociais e ao modo saudável de utilizá-las, pois, o bombardeio de notícias, muitas delas incompletas, contraditórias, falsas ou aterrorizantes produz um efeito devastador numa quantidade significativa de pessoas.
E, diante do tema, considerando a singularidade de cada paciente, o profissional irá conduzir a reflexão e a definição do melhor enfrentamento.
– Estratégias
Além dos cinco tópicos mencionados existem mais dez. E existem também os ajustes na estratégia do tratamento dependendo da não-contaminação, contaminação, contaminação-zerosequelas, contaminação-sequelas.
E a inserção dos familiares no tratamento ocorrerá se houver necessidade, assim como o contato com os profissionais de outras áreas.
E, no que diz respeito à condução do trabalho, uma reunião mensal acontece em que consideramos todos os casos em atendimento e atualizamos as possíveis ações em conjunto.
– O aprendizado
A pandemia da COVID-19 possibilitou que nós, os profissionais da saúde mental, ampliássemos as técnicas e os recursos terapêuticos.
E a adaptação foi rápida, assim como foi rápida a disseminação do vírus.
E seguimos com o nosso propósito de auxiliar as pessoas, obtendo um resultado gratificante do trabalho realizado.
E a vida segue.